A escritora cajazeirense Tainara Silva lança no dia 12 de setembro, às 19h, seu primeiro livro de poesia, matéria dos ventos. O evento acontece na Associação Afro-Cultural Orín Igbàdú, em Cajazeiras, cidade onde a autora nasceu e vive até hoje.
Mais do que uma estreia literária, a obra representa um gesto de afirmação identitária, espiritual e cultural no coração do Alto Sertão da Parahyba.
Raízes e retomadas
Historiadora, roteirista, ilustradora e produtora cultural, Tainara se reconhece como cabokla, em um processo de retomada que passa pelas tradições do Candomblé Ketu e da Jurema Sagrada.
Sua trajetória é atravessada por múltiplas linguagens artísticas, mas é na poesia que ela encontrou espaço para reunir ancestralidade, espiritualidade e crítica social.
Mulher do axé, LBTQIAPNB+ (bissexual) e profundamente ligada ao território, ela afirma que sua escrita percorre “circularidades que abarcam o decolonialismo, o contracolonialismo, os povos originários, os caboklos/as, o povo de terreiro e as histórias locais” (SILVA, 2025).
O livro como encruzilhada
Escrito em 2023, matéria dos ventos reúne 80 poemas e ilustrações da própria autora em 152 páginas. A obra nasceu, segundo Tainara, a partir de um jogo de búzios (SILVA, 2025):
“O Orixá Èsù provocou movimentos que emergiram nos 80 poemas deste livro. Dessa provocação, vêm os rezos da minha individualidade em paralelo ao macro, num olhar de dentro para fora e de fora para dentro”.
Com o vento como metáfora central, a obra articula intimidade e coletividade, atravessando os sertões nordestinos e as cosmopercepções afro-indígenas.
Um olhar mulher-criança
No prefácio, a jornalista e poeta Luana Brito Lacerda destaca o caráter inaugural da obra:
“Em Matéria dos Ventos, a poeta nos conduz por um caminho onde o tempo e a matéria dançam sob a força de Èsù, o orixá das encruzilhadas e dos movimentos. (…) Nos versos de Tainara, sentimos a força das raízes e o frescor das descobertas das crianças, numa escrita que acolhe, questiona e transforma.”
O terreiro, escreve Lacerda, torna-se corpo poético do livro, espaço de cura e de memória.
Poesia como rezo e denúncia
Os versos transitam entre a crítica histórica e a celebração da vida cotidiana. No poema do antes, publicado no Instagram do livro a autora escreve:
sendo assim
você nascerá mulher
escreverá sobre o seu destino
criticará os heróis dados como santos
e envolverá os homens
e as mulheres
do seu caminho
umidamente
e com isso
trará novos arco-íris
às tardes dos sertões
Já em outro, evoca as marcas da violência e da resistência:
vimos os enterros das nossas gentes
sobre a coroa de frade
mas também
as rezes com os ramos da aroeira
as folhas de mamona
por cima do barro
e por cima farinha
dendê e pimenta”
A poesia aparece como ebó de autocuidado, mas também como denúncia dos apagamentos históricos que atingiram sua família e sua comunidade.
A materialidade do livro
Com projeto gráfico que valoriza a experiência de leitura (miolo em papel pólen, capa com acabamento em UV localizado e ilustrações que dialogam com os poemas), matéria dos ventos reafirma o gesto de inscrever o sertão e suas espiritualidades no campo literário contemporâneo.

Cada detalhe reforça a proposta da autora: reconhecer-se, assumir pertencimentos e abrir espaço para narrativas silenciadas.
Lançamento em Cajazeiras
O lançamento marca não apenas a estreia literária de Tainara Silva, mas também um momento simbólico para a cena cultural cajazeirense.
A escolha da Associação Afro-Cultural Orín Igbàdú, no bairro Esperança, reforça o vínculo entre o livro e as tradições de terreiro do Alto Sertão.
Ali, literatura, música e espiritualidade se encontram em um gesto coletivo de afirmação e celebração.
Escutar o vento
matéria dos ventos é, como diz sua autora, herança, destino e axé.
Um livro que sopra memórias, espiritualidade e resistência, convidando o leitor a refletir sobre o sertão, sobre si mesmo e sobre a força das ancestralidades que ainda se fazem presentes.
Entre rezos, denúncias e encantamentos, Tainara Silva estreia como uma das vozes potentes da nova poesia nordestina.


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